Pai
Lembro-me dos teus abraços. Lembro-me que voltava a ser menina pequenina, envolvida nos teus braços magros e compridos. Lembro-me de sentir que podia contar contigo para tudo o que fosse preciso. Lembro-me que em miuda costumava dizer que tu e o avô eram as pessoas de quem mais gostava no mundo.
Lembro-me do dia em que fiz 18 anos, em que me acompanhaste ao Porto para consultar os resultados do acesso à faculdade, e do abraço apertado que me deste quando vimos que tinha conseguido entrar na minha primeira opção. Lembro-me do ar orgulhoso com que me foste levar ao aeroporto no meu primeiro dia de trabalho. Lembro-me do dia em que, por acaso, me acompanhaste à faculdade e tinham saído notas de uma cadeira, e de tu andares para cima e para baixo na pauta até chegares à conclusão que eu tinha tirado a melhor nota... Grande pontaria a minha, era raro tu ires à faculdade e deve ter sido das únicas vezes em que isso aconteceu... Lembro-me de um dia em que o L. nos levou, a mim e à S., a sair para a queima das fitas, e de lhe dizeres "tem cuidado que levas aí os meus dois tesouros". Lembro-me da nossa fotografia trajadas, que guardavas no teu gabinete no trabalho. Imagino o brilho nos teus olhos quando a mostravas, nas ocasiões oportunas, aos teus clientes. Lembro-me de que quando acabei o curso não tive coragem de te pedir para não alterares a designação dos meus cartões do banco para "Dra", apesar de não ligar nada a isso, por saber que era com uma enorme vaidade que o fazias. Lembro-me do ar cansado e dos olhos vermelhos que tinhas quando chegavas à noite a casa, no final do trabalho, e de pensar que não queria no futuro ter a tua vida... Realmente o destino prega-nos cada partida...
Lembro-me de estar de férias uma vez em que foste operado e de ser a tua "enfermeira". Lembro-me de percorrermos o corredor enorme de lá de casa, tu apoiado em mim, e de como me sentia adulta e responsável, como era bom para mim ser-te útil. Lembro-me de quando estiveste a trabalhar fora de casa, e de passar semanas contigo quando estava de férias. Ficavamos só os dois no apartamento que ocupavas, e eu tinha-te só para mim. Era maravilhoso. Lembro-me de sentir que me começavas a levar a sério, e de ter conversas de adultos contigo. Sabia que eu e a S. iriamos ser sempre as tuas meninas, mas era tão bom sentir que começavas a procurar as minhas opiniões e conselhos.
Lembro-me de te ver doente, muito doente, deitado na cama cheio de dores, e do pânico que senti por me ter ocorrido, pela primeira vez, que um dia poderia ficar sem ti.
Lembro-me das "judiarias" que faziamos ao fim das manhãs de fim de semana, quando a mãe chamava para o almoço, e quem se levantasse primeiro ía descobrir os outros e abrir as janelas do quarto. Lembro-me do divertimento que enchia os teus olhos quando o fazias. Lembro-me de chamarmos à mãe "capitão", e de às vezes lhe fazermos continência na brincadeira. Lembro-me de brincares com a "trombinha" da S. ao acordar, de andares atrás dela a perguntar "já soltaste a burrinha?".
Lembro-me da canção que tu e a mãe cantavam em dueto nas viagens para férias, e de como gostavamos de ouvir as vossas vozes entoadas em conjunto. Era sempre um momento alto no trajeto. Lembro-me dos jogos de palavras que faziamos nessas alturas para ocupar o tempo.
Lembro-me que nunca me bateste, e que bastava um olhar mais frio teu para eu já nem sequer saber onde é que havia de me meter. Tenho consciência de que na nossa familia a mãe é que teve o papel mais dificil, mas para mim serás sempre um exemplo da forma como gostava de educar a minha filha. Porque sabíamos que tinhas um orgulho enorme em nós, e por isso fazíamos sempre o que estava ao nosso alcance para não te desiludirmos. Não precisavas de falar mais alto, não precisavas de bater... impunhas a tua autoridade apenas com um olhar.
Lembro-me do dia em que fiz 18 anos, em que me acompanhaste ao Porto para consultar os resultados do acesso à faculdade, e do abraço apertado que me deste quando vimos que tinha conseguido entrar na minha primeira opção. Lembro-me do ar orgulhoso com que me foste levar ao aeroporto no meu primeiro dia de trabalho. Lembro-me do dia em que, por acaso, me acompanhaste à faculdade e tinham saído notas de uma cadeira, e de tu andares para cima e para baixo na pauta até chegares à conclusão que eu tinha tirado a melhor nota... Grande pontaria a minha, era raro tu ires à faculdade e deve ter sido das únicas vezes em que isso aconteceu... Lembro-me de um dia em que o L. nos levou, a mim e à S., a sair para a queima das fitas, e de lhe dizeres "tem cuidado que levas aí os meus dois tesouros". Lembro-me da nossa fotografia trajadas, que guardavas no teu gabinete no trabalho. Imagino o brilho nos teus olhos quando a mostravas, nas ocasiões oportunas, aos teus clientes. Lembro-me de que quando acabei o curso não tive coragem de te pedir para não alterares a designação dos meus cartões do banco para "Dra", apesar de não ligar nada a isso, por saber que era com uma enorme vaidade que o fazias. Lembro-me do ar cansado e dos olhos vermelhos que tinhas quando chegavas à noite a casa, no final do trabalho, e de pensar que não queria no futuro ter a tua vida... Realmente o destino prega-nos cada partida...
Lembro-me de estar de férias uma vez em que foste operado e de ser a tua "enfermeira". Lembro-me de percorrermos o corredor enorme de lá de casa, tu apoiado em mim, e de como me sentia adulta e responsável, como era bom para mim ser-te útil. Lembro-me de quando estiveste a trabalhar fora de casa, e de passar semanas contigo quando estava de férias. Ficavamos só os dois no apartamento que ocupavas, e eu tinha-te só para mim. Era maravilhoso. Lembro-me de sentir que me começavas a levar a sério, e de ter conversas de adultos contigo. Sabia que eu e a S. iriamos ser sempre as tuas meninas, mas era tão bom sentir que começavas a procurar as minhas opiniões e conselhos.
Lembro-me de te ver doente, muito doente, deitado na cama cheio de dores, e do pânico que senti por me ter ocorrido, pela primeira vez, que um dia poderia ficar sem ti.
Lembro-me das "judiarias" que faziamos ao fim das manhãs de fim de semana, quando a mãe chamava para o almoço, e quem se levantasse primeiro ía descobrir os outros e abrir as janelas do quarto. Lembro-me do divertimento que enchia os teus olhos quando o fazias. Lembro-me de chamarmos à mãe "capitão", e de às vezes lhe fazermos continência na brincadeira. Lembro-me de brincares com a "trombinha" da S. ao acordar, de andares atrás dela a perguntar "já soltaste a burrinha?".
Lembro-me da canção que tu e a mãe cantavam em dueto nas viagens para férias, e de como gostavamos de ouvir as vossas vozes entoadas em conjunto. Era sempre um momento alto no trajeto. Lembro-me dos jogos de palavras que faziamos nessas alturas para ocupar o tempo.
Lembro-me que nunca me bateste, e que bastava um olhar mais frio teu para eu já nem sequer saber onde é que havia de me meter. Tenho consciência de que na nossa familia a mãe é que teve o papel mais dificil, mas para mim serás sempre um exemplo da forma como gostava de educar a minha filha. Porque sabíamos que tinhas um orgulho enorme em nós, e por isso fazíamos sempre o que estava ao nosso alcance para não te desiludirmos. Não precisavas de falar mais alto, não precisavas de bater... impunhas a tua autoridade apenas com um olhar.
Lembro-me que não escondias a vontade que sentias de ter um neto, e de dizeres todo contente que depois ías dar grandes passeios com ele de carro. Infelizmente não chegaste a ter essa oportunidade. Mas lembro-me também de teres "pedido emprestado" o neto do teu primo, de guardares uma fotografia dele, e de andares sempre a trocar os pontos do cartão Galp por carrinhos para lhe dares.
Lembro-me com muita ternura que o primeiro presente que deste à tua primeira filha (eu) foi o comboio elétrico que gostarias de ter tido em criança e que os teus pais nunca te poderiam ter comprado. Ainda hoje está guardado em casa da mãe.
Lembro-me de te dar o braço, orgulhosa, para entrar na igreja no dia do meu casamento, e do teu ar circunspeto e concentrado. Lembro-me de te ter dito qualquer coisa, e de tu me pedires para não falar contigo. Estavas mais nervoso que eu...
Lembro-me que costumavas dizer, com alguma ironia e amargura, que "de imprescindíveis está o cemitério cheio", e de pensar que eu tinha os meus, aqueles que não conseguia sequer imaginar a minha vida sem eles. Acho que tinhas razão. Aprendi-o do modo mais duro.
Lembro-me de tantas coisas, que poderia escrever um livro só com memórias. Às vezes fico triste quando penso que já não me lembro bem como soava a tua voz. Mas sei que se a ouvisse, o meu coração iria disparar por a reconhecer de imediato.
A saudade dói menos quando a preenchemos com recordações, e é assim que tenho aliviado e alegrado a minha durante estes anos. Tive muita sorte. Tive comigo durante 25 anos o melhor pai do mundo. O melhor amigo e o melhor modelo. Lembro-me de me terem dito muitas vezes, depois da tua partida, que eu parecida contigo, e de como isso me aquecia o coração.
Lembro-me também da promessa que te fiz depois de te ter perdido. Prometi-te que apesar desse revés na minha vida eu iria conseguir ser feliz. E aproveito que se assinala em breve dia do Pai para te dizer que estou a cumprir a minha promessa. Sou feliz!!! Sei que para ti sempre foi o mais importante...
Até sempre, com muita saudade,
Cookie
Lembro-me de te dar o braço, orgulhosa, para entrar na igreja no dia do meu casamento, e do teu ar circunspeto e concentrado. Lembro-me de te ter dito qualquer coisa, e de tu me pedires para não falar contigo. Estavas mais nervoso que eu...
Lembro-me que costumavas dizer, com alguma ironia e amargura, que "de imprescindíveis está o cemitério cheio", e de pensar que eu tinha os meus, aqueles que não conseguia sequer imaginar a minha vida sem eles. Acho que tinhas razão. Aprendi-o do modo mais duro.
Lembro-me de tantas coisas, que poderia escrever um livro só com memórias. Às vezes fico triste quando penso que já não me lembro bem como soava a tua voz. Mas sei que se a ouvisse, o meu coração iria disparar por a reconhecer de imediato.
A saudade dói menos quando a preenchemos com recordações, e é assim que tenho aliviado e alegrado a minha durante estes anos. Tive muita sorte. Tive comigo durante 25 anos o melhor pai do mundo. O melhor amigo e o melhor modelo. Lembro-me de me terem dito muitas vezes, depois da tua partida, que eu parecida contigo, e de como isso me aquecia o coração.
Lembro-me também da promessa que te fiz depois de te ter perdido. Prometi-te que apesar desse revés na minha vida eu iria conseguir ser feliz. E aproveito que se assinala em breve dia do Pai para te dizer que estou a cumprir a minha promessa. Sou feliz!!! Sei que para ti sempre foi o mais importante...
Até sempre, com muita saudade,
Cookie
Comentários
Estou muito comovido.
Beijinho grande.
São maravilhosas e cheias de sentimento as palavras que aqui deixaste.
Mas simultaneamente, há tanta partilha aqui, uma vida tão cheia, mas tanta ironia da vida, do destino, sei lá.
E tantas, mas tantas coisas, que deviam ser partilhadas e nos foram dramaticamente roubadas para sempre.
Mas é esta mesma vida dura que nos ensina tanto, que nos faz compreender ... aceitar ... continuar a viver ... renascer ... e reaprender a saber viver e ser Feliz!